Conceito de Peroxissoma
Os peroxissomas são
organelos subcelulares ubíquos, que podem ser encontrados virtualmente
em todas as células eucarióticas.
Apesar de estarem
presentes em todos os tecidos, são encontrados em maior concentração no
fígado e rins, devido ao seu papel na detoxificação de várias moléculas
tóxicas presentes nestes órgãos.
Os peroxissomas são
limitados por uma membrana simples de bicamada lipídica, embebida por
proteínas de membrana peroxissomais. Apresentam no seu interior uma fina
matriz granular envolvida em várias funções metabólicas, e que pode
conter inclusões cristalinas de enzimas da matriz. Geralmente possuem um
diâmetro entre 0,1µm e 1µm e apresentam uma morfologia esférica.
Contudo, os peroxissomas apresentam uma grande plasticidade, podendo
apresentar uma ampla variedade de formas, para além de possuírem a
capacidade de modificar a sua morfologia em resposta a alterações
fisiológicas no ambiente celular. Para além disso, possuem também a
capacidade de adaptar o seu número, quantidade de enzimas e funções
metabólicas conforme condições específicas.
Os peroxissomas são
mais do que simples organelos metabólicos, são considerados organelos
altamente dinâmicos, versáteis, metabolicamente ativos e que interagem
funcional e morfologicamente com outros organelos, como as mitocôndrias,
retículo endoplasmático (RE) e inclusões lipídicas. Por exemplo, os
peroxissomas e as mitocôndrias mantêm uma estreita relação, que inclui
cooperação metabólica, contribuição para a homeostasia celular e
partilha de proteínas essenciais da maquinaria de divisão. Esta
interação provavelmente influencia a funcionalidade de ambos os
organelos.
Descoberta
Os peroxissomas foram
descobertos em 1954 por Johannes Rhodin ao utilizar microscopia
eletrónica em rim de ratinho. Inicialmente foram denominados por
microbodies devido à sua morfologia, no entanto, em 1965, o
citologista belga De Duve (Prémio Nobel, 1974) e os seus colegas
isolaram com sucesso peroxissomas a partir de fígado de rato e
descobriram uma co-localização de várias oxidases produtoras de peróxido
de hidrogénio (H2O2), bem como catalase, enzima
que degrada H2O2, na matriz destes organelos.
Passou então a ser usado o termo funcional “peroxissomas” devido ao
facto de estes organelos conterem uma ou mais enzimas que usam o
oxigénio molecular para remover átomos de hidrogénio.
A vida do
peroxissoma
Os peroxissomas
possuem características únicas, que estão muitas vezes em desacordo com
alguns dogmas existentes na biologia celular, designadamente em relação
à sua biogénese e importação de proteínas, as quais diferem
substancialmente de outros organelos. Os peroxissomas possuem a
particularidade de as suas proteínas serem codificadas por genes
nucleares, uma vez que não possuem moléculas de DNA, nem maquinaria
associada à tradução de proteínas. Como tal, a maioria das proteínas
peroxissomais é sintetizada no citosol em ribossomas livres e
posteriormente, após a tradução, diretamente importada para os
peroxissomas pré-existentes.
A biogénese
dos peroxissomas envolve três principais etapas:
(1) formação
da membrana peroxissomal;
(2) importação
de proteínas para a matriz peroxissomal;
(3) proliferação
do organelo.
Existem dois
principais mecanismos propostos para a formação dos
peroxissomas:
(1)
Modelo
“crescimento e divisão” – defende que os
organelos se podem multiplicar a partir de peroxissomas pré-existentes,
consistindo num processo de várias etapas que inclui elongação/crescimento
dos peroxissomas, constrição e final fissão/divisão, dando origem a dois
peroxissomas, geralmente esféricos que podem ser simétricos ou
assimétricos;
(2)
Modelo de
formação de peroxissomas de novo –
defende que os peroxissomas são capazes de formarem-se a partir do RE,
ocorrendo a formação de um peroxissoma maduro por meio da fusão de duas
vesículas pré-peroxissomais.
Os peroxissomas possuem
a capacidade de proliferar ou serem degradados em resposta a estímulos
nutricionais ou do ambiente extracelular.
Quando necessário, os peroxissomas são removidos por macroautofagia.
Neste mecanismo de autofagia o peroxissoma é sequestrado dentro de
autofagossomas, os quais posteriormente se fundem com os
lisossomas/vacúolos, onde ocorre a digestão do organelo.
Funções
Os peroxissomas
são considerados organelos multi-purpose, uma vez que possuem
funções específicas que variam de acordo com o organismo e tipo celular,
fase de desenvolvimento do organismo e condições ambientais.
Contribuem para
diversas vias bioquímicas, nomeadamente uma ampla variedade de reações
catabólicas e anabólicas, sendo essenciais
para a saúde humana e desenvolvimento. Contribuem para a homeostasia
celular dos ROS (espécies reativas de oxigénio), sinalização,
desenvolvimento e envelhecimento. Recentemente, foi ainda demonstrado
que os peroxissomas desempenham um importante papel na resposta imune
celular, designadamente em parceria com as mitocôndrias na resposta
inata a infecções virais.
As principais
funções dos peroxissomas englobam o metabolismo do
peróxido de hidrogénio e o dos lípidos, destacando-se nestes últimos a
β-oxidação dos ácidos gordos.
A β-oxidação é o
principal mecanismo de degradação dos ácidos gordos. Quando os ácidos
gordos são mais complexos, como é o caso dos ácidos gordos de cadeia
muito longa (VLCFA, Very-Long-Chain Fatty Acids), a sua
degradação tem que ocorrer inicialmente nos peroxissomas. Este processo
é semelhante ao que ocorre nas mitocôndrias, apesar de
apresentarem algumas diferenças, como o facto de os
peroxissomas não possuírem cadeia respiratória, e deste modo tornarem
este processo num mecanismo de geração de calor. No entanto, os
peroxissomas não possuem capacidade para completar o processo, sendo que
o último produto derivado da via peroxissomal é posteriormente
transportado para a mitocôndria, onde o processo de decomposição é
finalizado.
A enzima
catalase (CAT) está presente
em praticamente todos os
organismos aeróbios e é uma
das enzimas mais importantes e presente em maiores quantidades nos
peroxissomas. Esta
peroxidase é importante para a regulação do stress oxidativo e
inflamação, para além de proteger as células dos efeitos tóxicos do
peróxido de hidrogénio
(produto da β-oxidação e outras vias
metabólicas que ocorrem nos peroxissomas e tóxico quando acumulado);
para isto a catalase decompõe o peróxido de hidrogénio (H2O2)
em água (H2O) e oxigénio (O2). A catalase também
utiliza o H2O2 para oxigenar outros substratos,
processo importante para a detoxificação de moléculas tóxicas. Outras
enzimas envolvidas na produção e eliminação de ROS são a Superóxido
Dismutase (SOD), as Peroxirredoxinas (Prx) e a Glutationa Peroxidase
(GPx).
Os peroxissomas
possuem também um importante papel noutros processos metabólicos, como
por exemplo, a biossíntese de lípidos, α-oxidação de ácidos gordos,
regulação da razão Acil-CoA/CoA, metabolismo de aminoácidos/proteínas e
biossíntese de glicerol. Novas funções foram descobertas nos últimos
anos, como a produção de feromonas e o metabolismo de poliaminas. Na
tabela 1 é apresentada uma compilação de algumas funções dos
peroxissomas.
Tabela 1
– Funções peroxissomais
Funções clássicas |
Metabolismo do
peróxido de hidrogénio
(catalase e oxidases que geram H2O2),
metabolismo de ROS/NOS |
Biossíntese de
lípidos
(fosfolípido
éter/plasmalogénio, ácidos biliares, colesterol
e dolicol, alongamento dos ácidos gordos) |
β-oxidação de
ácidos gordos
(ácidos gordos de cadeia muito longa (VLCFA), ácidos
dicarboxílicos, ácidos gordos de cadeia ramificada, ácidos
gordos insaturados, metabolismo do ácido araquidónico e
compostos xenobióticos) |
α-oxidação de
ácidos gordos
(ácido fítico,
compostos xenobióticos) |
Ativação de
ácidos gordos de cadeia longa/muito longa |
Regulação da
razão Acil-CoA /CoA |
Metabolismo de proteínas/aminoácidos
(biossíntese de cisteína e assimilação de enxofre,
degradação do ácido aminado, metabolismo de L-lisina,
degradação de poliamidas, proteases, transaminases) |
Metabolismo de
nicotinamida e nicotinato |
Metabolismo de
retinóide |
Catabolismo das
purinas |
Biossíntese de
glicerol |
Biossíntese de
ácido biliar |
Detoxificação
do glioxilato e metabolismo do dicarboxilato |
Via
hexose-monofosfato |
Novas funções |
Síntese de
jasmonato (plantas) |
Síntese de
auxinas (plantas) |
Produção de
feromonas (animais) |
Biossíntese de
isoprenóides (plantas, animais) |
Síntese de
biotina (plantas, fungos) |
Síntese de
toxinas (fungos) |
Metabolismo de
poliaminas (plantas, animais e fungos) |
Biossíntese de
filoquinona (vitamina K1) (plantas) |
Síntese de
glicina betaína (plantas) |
Defesa imune
inata em infecções virais (animais) |
Biossíntese de
âncora GPI (animais) |
Sinalização (H2O2)
em neurónios do hipocampo (animais) |
Doenças peroxissomais
Existem muitas
desordens associadas aos peroxissomas, e muitas vezes uma simples
alteração num gene pode conduzir a uma severa doença, por vezes mesmo
letal. As desordens peroxissomais são geralmente classificadas em dois
grupos:
(1)
Doenças da Biogénese Peroxissomal (DBPs) -
grupo de desordens cerebrais de desenvolvimento com uma prevalência de
1:50000 e que geralmente conduzem à morte durante a infância. Estas
doenças são causadas por mutações nos genes
PEX que codificam peroxinas, proteínas necessárias para a biogénese dos
peroxissomas e para a importação de proteínas da matriz
e da membrana peroxissomal. Consequentemente, os peroxissomas podem
estar completamente ausentes devido a um defeito na sua formação ou
estarem presentes como compartimentos membranares vazios ("ghosts")
devido a defeitos na maquinaria de importação das enzimas peroxissomais.
Este grupo de doenças inclui o espectro Zellweger que engloba o Síndrome
de Zellweger (SZ), a Adrenoleucodistrofia Neonatal (ALDN) e a Doença de
Refsum Infantil (DRI); e o espectro CDPR do tipo I que engloba a
Condrodisplasia Rizomélica Punctata do tipo I (CDPR).
(2)
Doenças peroxissomais com
alterações funcionais numa única enzima -
baseadas na ocorrência de mutações num único
gene que vão consequentemente afetar a atividade e/ou localização da
proteína peroxissomal correspondente, sendo que apenas uma função
metabólica vai ser comprometida. Como tal este grupo de doenças está
associado à acumulação
de substratos tóxicos ou à escassez de produtos peroxissomais. Podem ser
subdivididas em distintos subgrupos em função da via metabólica
peroxissomal afetada: biossíntese de
fosfolípido éter (plasmalogénio), β-oxidação de ácidos
gordos, α-oxidação peroxissomal, detoxificação do glioxilato e
metabolismo do H2O2.
Referências / Para mais informações
consultar:
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M., Roberts, K., & Walter, P. (2002). Peroxisomes. Garland Science.
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Annual Review of Biochemistry, 75, 295–332.
Schrader, M., & Fahimi, H. D. (2006). Peroxisomes and oxidative stress.
Biochimica et Biophysica
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Plant Biology, 22, 39–47.
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Biochemically distinct vesicles from
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Hettema, E. H., & Motley, A. M. (2009). How peroxisomes multiply.
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Delille, H. K., Bonekamp, N. a, & Schrader, M. (2006). Peroxisomes and
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Wanders, R. J. a. (2004). Metabolic and molecular basis of peroxisomal
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Organelle dynamics and
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of Inherited
Metabolic Disease, 32(2), 163–180.
Odendall, C., & Kagan, J. C. (2013). Peroxisomes and the antiviral
responses of mammalian cells.
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