Conceito de Discrepâncias do Eu
De
acordo
com a teoria das discrepâncias do Self, a estrutura do Self
ou do Eu desenvolve-se tendo em linha de conta diferentes
representações, isto é, diferentes conceitos de si, sendo estes: O
auto-conceito ou Eu Real, também denominado por Eu
Actual/Percebido, ou seja, a pessoa que o próprio considera que é,
as características que considera que apresenta; o Eu Ideal,
constituído pelas características que a pessoa gostaria de apresentar e
o modo como a pessoa gostaria de ser; e o Eu Obrigatório, que se
caracteriza pelas características que a pessoa considera que deveria
apresentar, o modo como deveria ser (Higgins, 1987). Estas três
representações do Eu poderão ou não ser pautadas por
discrepâncias entre si, assumindo repercussões no modo como o Eu Real
integra a existência das instâncias Ideal e Obrigatório,
enquanto padrões auto-avaliativos ou guias/orientadores do Eu Real.
Estes orientadores representam a instância das aspirações e desejos sob
forma de Eu Ideal, e os deveres ou obrigações na forma de Eu
Obrigatório, podendo assim mover a pessoa em sentidos diferentes,
isto é, baseados em pensamentos, emoções e comportamentos distintos. Do
ponto de vista da mudança, da exploração ou actualização, estas
diferenças são importantes para o ser humano, na medida em que é a
discrepância entre o Eu Real e os seus orientadores (Eu Ideal
e Eu obrigatório) que lhe permite desenvolver motivação para a
mudança. Contudo, verifica-se que uma incongruência acentuada tende a
despoletar desregulação emocional, já que a congruência se afigura uma
necessidade psicológica do ser humano, tendo em vista a organização de
um auto-conceito unitário e coerente. Deste modo, o conflito interno e a
decorrente inconsistência predispõem a pessoa ao distress
psicológico, notando discrepâncias acentuadas entre comportamento ou
características actuais do individuo e aquelas que correspondem aos seus
standards pessoais determinados pelo Eu ideal e pelo Eu
obrigatório. De um modo geral, a percepção do Eu Real como
incongruente relativamente ao Eu Ideal (e.g. quando a pessoa
considera que não consegue alcançar um determinado desejo ou objectivo)
é uma experiência natural no ser humano, despoletando emoções disfóricas
como a frustração, a tristeza ou o desapontamento, associadas à
constatação da ausência de resultados sintónicos ou agradáveis. De modo
semelhante, discrepâncias entre o Eu Real e o Eu Obrigatório
encontram-se relacionadas com emoções de medo e agitação (Higgins,
1987), isto é, em situações em que a pessoa antecipa ameaça ou perigo
pela presença de resultados distónicos ou desagradáveis. No entanto, em
estados de discrepância acentuada, estas emoções podem dar lugar a
estados mais complexos e perturbados, como a depressão e a ansiedade, em
que a percepção do Eu Ideal ou Obrigatório como
acentuadamente discrepantes do Eu Real poderá desencadear um
ciclo de auto-avaliações negativas, regras rígidas e ideais
absolutistas. Assim, verifica-se uma relação entre a existência de
distress psicológico, a possibilidade de desenvolvimento de uma
perturbação psicológica e o grau global de discrepâncias do Eu, a
qual é mediada pela regulação emocional já que os orientadores do Eu
assumem até certo ponto uma função adaptativa de o regular cognitiva e
emocionalmente, podendo no entanto desregulá-lo, se as discrepâncias
tenderem a ser acentuadas, generalizáveis e pervasivas. Por outras
palavras, enquanto instâncias avaliativas e reguladoras do Eu, o
Eu Ideal e o Eu obrigatório podem contribuir quer para o
grau de estima, quer para o grau de crítica, consoante a intensidade das
discrepâncias percebidas relativamente ao Eu Real. Do ponto de
vista desenvolvimentista, as instâncias orientadoras/reguladoras ou
avaliativas do Eu remontam aos primórdios do desenvolvimento do
ser humano, aquando das primeiras experiências de
vinculação/socialização. Desta forma, as representações do Eu são
influenciadas pela estima, crítica, segurança e cuidados prestados pelas
primeiras figuras de vinculação ou outras significativas, associando-se
a memórias de experiências na infância. Nesta sequência, é possível
considerar a influência das experiências precoces no desenvolvimento do
Eu, enquanto sistema cognitivo-emocional constituído por crenças
e esquemas construídos e aprendidos ao longo do desenvolvimento. Os
orientadores ou avaliadores do Eu apresentam, contudo, um
carácter mutável ao longo do ciclo de vida, podendo assim reflectir a
flexibilização destas crenças, regras e ideais, assumindo mudanças ao
nível das suas representações.
Referência bibliográfica
Higgins,
E.T. (1987).
Self-discrepancy: A Theory Relating Self and Affect. Psychological
Review, 94 (3), 319-340.
Procure outros termos na nossa enciclopédia
|
|
|