Ciências Sociais e Humanas

Psicologia

Discrepâncias do Eu

Autor: Catarina Vargues Conceição

Mestre em Psicologia

Data de criação: 21/05/2015

Resumo: Apresentação do conceito de Discrepâncias do Eu...

De acordo com a teoria das discrepâncias do Self, a estrutura do Self ou do Eu desenvolve-se tendo em linha de conta diferentes representações (...)

Palavras chave:  psicologia

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Conceito de Discrepâncias do Eu

De acordo com a teoria das discrepâncias do Self, a estrutura do Self ou do Eu desenvolve-se tendo em linha de conta diferentes representações, isto é, diferentes conceitos de si, sendo estes: O auto-conceito ou Eu Real, também denominado por Eu Actual/Percebido, ou seja, a pessoa que o próprio considera que é, as características que considera que apresenta; o Eu Ideal, constituído pelas características que a pessoa gostaria de apresentar e o modo como a pessoa gostaria de ser; e o Eu Obrigatório, que se caracteriza pelas características que a pessoa considera que deveria apresentar, o modo como deveria ser (Higgins, 1987). Estas três representações do Eu poderão ou não ser pautadas por discrepâncias entre si, assumindo repercussões no modo como o Eu Real integra a existência das instâncias Ideal e Obrigatório, enquanto padrões auto-avaliativos ou guias/orientadores do Eu Real. Estes orientadores representam a instância das aspirações e desejos sob forma de Eu Ideal, e os deveres ou obrigações na forma de Eu Obrigatório, podendo assim mover a pessoa em sentidos diferentes, isto é, baseados em pensamentos, emoções e comportamentos distintos. Do ponto de vista da mudança, da exploração ou actualização, estas diferenças são importantes para o ser humano, na medida em que é a discrepância entre o Eu Real e os seus orientadores (Eu Ideal e Eu obrigatório) que lhe permite desenvolver motivação para a mudança. Contudo, verifica-se que uma incongruência acentuada tende a despoletar desregulação emocional, já que a congruência se afigura uma necessidade psicológica do ser humano, tendo em vista a organização de um auto-conceito unitário e coerente. Deste modo, o conflito interno e a decorrente inconsistência predispõem a pessoa ao distress psicológico, notando discrepâncias acentuadas entre comportamento ou características actuais do individuo e aquelas que correspondem aos seus standards pessoais determinados pelo Eu ideal e pelo Eu obrigatório. De um modo geral, a percepção do Eu Real como incongruente relativamente ao Eu Ideal (e.g. quando a pessoa considera que não consegue alcançar um determinado desejo ou objectivo) é uma experiência natural no ser humano, despoletando emoções disfóricas como a frustração, a tristeza ou o desapontamento, associadas à constatação da ausência de resultados sintónicos ou agradáveis. De modo semelhante, discrepâncias entre o Eu Real e o Eu Obrigatório encontram-se relacionadas com emoções de medo e agitação (Higgins, 1987), isto é, em situações em que a pessoa antecipa ameaça ou perigo pela presença de resultados distónicos ou desagradáveis. No entanto, em estados de discrepância acentuada, estas emoções podem dar lugar a estados mais complexos e perturbados, como a depressão e a ansiedade, em que a percepção do Eu Ideal ou Obrigatório como acentuadamente discrepantes do Eu Real poderá desencadear um ciclo de auto-avaliações negativas, regras rígidas e ideais absolutistas. Assim, verifica-se uma relação entre a existência de distress psicológico, a possibilidade de desenvolvimento de uma perturbação psicológica e o grau global de discrepâncias do Eu, a qual é mediada pela regulação emocional já que os orientadores do Eu assumem até certo ponto uma função adaptativa de o regular cognitiva e emocionalmente, podendo no entanto desregulá-lo, se as discrepâncias tenderem a ser acentuadas, generalizáveis e pervasivas. Por outras palavras, enquanto instâncias avaliativas e reguladoras do Eu, o Eu Ideal e o Eu obrigatório podem contribuir quer para o grau de estima, quer para o grau de crítica, consoante a intensidade das discrepâncias percebidas relativamente ao Eu Real. Do ponto de vista desenvolvimentista, as instâncias orientadoras/reguladoras ou avaliativas do Eu remontam aos primórdios do desenvolvimento do ser humano, aquando das primeiras experiências de vinculação/socialização. Desta forma, as representações do Eu são influenciadas pela estima, crítica, segurança e cuidados prestados pelas primeiras figuras de vinculação ou outras significativas, associando-se a memórias de experiências na infância. Nesta sequência, é possível considerar a influência das experiências precoces no desenvolvimento do Eu, enquanto sistema cognitivo-emocional constituído por crenças e esquemas construídos e aprendidos ao longo do desenvolvimento. Os orientadores ou avaliadores do Eu apresentam, contudo, um carácter mutável ao longo do ciclo de vida, podendo assim reflectir a flexibilização destas crenças, regras e ideais, assumindo mudanças ao nível das suas representações.

 

Referência bibliográfica

Higgins, E.T. (1987). Self-discrepancy: A Theory Relating Self and Affect. Psychological Review, 94 (3), 319-340.

 

 

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