Conceito de Tumor venéreo transmissível
canino
O tumor venéreo
transmissível
canino, por vezes denominado sarcoma de Sticker, sarcoma infeccioso,
granuloma
venéreo
e linfossarcoma transmissível,
é
um tumor reticuloendotelial (com possível
origem histiocítica),
benigno que afeta canídeos
domésticos
e
é
transmissível
a canídeos
selvagens1 (raposas, chacais e coiotes2. Tem como
principal localização
a mucosa dos
órgãos
genitais externos1, ocorrendo também
no trato genital interno das fêmeas
(cérvix,
útero
e tubas uterinas)3, assim como no
ânus,
cavidades orais e nasais, tecido sub-cutâneo
e olhos3,4-10.
É
transmissível
pelo coito ou por lambedura das
áreas
afetadas11,12,13, sendo a transmissão
facilitada pela existência
de abrasões
e pela perda de integridade da mucosa1. Afeta principalmente
cães
jovens, sexualmente maturos1, não
existindo predisposição
rácica.
Tem distribuição
mundial, mas predomina em climas temperados, tendo carácter
enzoótico
no sudeste europeu, Médio
Oriente, Extremo-Oriente, sul dos Estados Unidos da América,
América
Central e América
do Sul2-6,14.
A
possibilidade
de uma etiologia viral foi considerada, no entanto, não
foram identificadas partículas
virais através
da microscopia eletrónica1,14-18.
Pensa-se que os vetores de transmissão
são
as próprias
células
neoplásicas,
sendo este o
único
tumor que se transmite através
da transplantação
de células
neoplásicas,
que deixam o hospedeiro de origem tornando-se autónomas.
Tal comportamento
é
semelhante ao de um parasita1,19. Outra característica
única
deste tumor
é
o genoma distinto das células
neoplásicas,
que possuem um número
anormal de cromossomas (57-64) em contraste com os 78 presentes das células
da espécie
canina1.
As lesões
surgem cerca de 15 a 60 dias após
o contágio,
podendo existir um período
de latência
de 2 a 6 meses4,20. Inicialmente surgem pequenos nódulos,
com 1-3mm de diâmetro
e coloração
que vai do rosa ao vermelho. São
superficiais, afetando apenas a derme e epiderme, unindo-se
posteriormente e formando lesões
de grande dimensão
(5-7 cm de diâmetro),
hemorrágicas
e friáveis,
com aspeto semelhante a uma couve-flor1. Estas massas podem
infiltrar-se evoluindo para lesões
subcutâneas
de até
15 cm de diâmetro1.
Quanto maiores as suas dimensões,
maior o risco de ulceração
e infeção21.
Ao microscópio
observam-se células
redondas a ovais, de citoplasma pálido
e vacuolizado (achado mais característico),
núcleo
redondo e um número
moderado de figuras mitóticas13,22.
Este
tipo
de neoplasia pode ter crescimento lento, durante anos, ou tornar-se
invasivo e metastizar23,24. Trata-se de uma neoplasia de caráter
imunogénico,
tendo o sistema imunitário
a capacidade de inibir o crescimento tumoral e as metástases11,25.
As metástases
são,
por isso, raras (menos de 5-17% dos casos3,26), ocorrendo em
animais mais jovens ou imunocomprometidos25,27-29. Nos casos
descritos na literatura, foram encontradas metástases
no tecido sub-cutâneo,
pele, linfonodos, tonsilas, língua,
baço,
mucosa oral, hipófise,
peritoneu, cérebro
e medula
óssea24.
Alguns estudos defendem a existência
de remissão
espontânea
em casos de transmissão
natural, e não
só
na experimental, nos primeiros 3 meses após
a implantação4.
No entanto, outros autores defendem que a remissão
sem qualquer tipo de tratamento
é
rara na prática
clínica3.
Independentemente
da localização
primária
da lesão,
um dos sinais clínicos
mais comuns
é
a presença
de uma secreção
serosanguinolenta ou hemorrágica1,13.
Nos machos podem ocorrer lesões
apenas no pénis,
tanto na base como na glande, assim como em toda a mucosa prepucial, e
para as visualizar
é
ocasionalmente necessário
retrair o prepúcio
caudalmente1,13. As massas tumorais formam, por vezes,
protuberâncias
para fora do prepúcio.
Na cadela as lesões
são
semelhantes, localizando-se na porção
caudal da vagina ou no vestíbulo,
sendo comum a formação
de protuberâncias
a partir da vulva e a deformação
do períneo1.
Lesões
extra-genitais, além
da secreção
hemorrágica,
podem causar sintomas como espirros, halitose, perda de dentes,
exoftalmia, nódulos
na pele e deformações
orofaciais1.
É
recomendada a avaliação
dos linfonodos locais por palpação
e punção
aspirativa por agulha fina (PAAF), assim como um exame físico
minucioso de modo a excluir a existência
de lesões
secundárias1.
O diagnóstico
definitivo
é
obtido através
de exame citológico
(por esfregaço,
aposição
ou PAAF) ou por avaliação
histopatológica
de biopsias13,24,26,30.
Devido
à
sua eficácia,
o tratamento de eleição
é
a quimioterapia com sulfato de vincristina (0,025 mg/Kg IV)1.
Normalmente são
necessários
2 a 8 tratamentos para atingir a remissão
total30,31, o que acontece em mais de 90% dos casos1.
Mesmo existindo
metástases,
se o tratamento for realizado numa fase inicial a cura
é
possível
em quase 100% dos casos32.
A utilização
deste fármaco
tem alguns efeitos secundários,
como repercussões
gastrointestinais (vómito),
mielossupressão
e neurotoxicidade13,31. Devido ao risco de leucopenia, antes
de cada administração
é
necessário
realizar um hemograma completo1,13. Caso a contagem de leucócitos
seja inferior a 4000 células/
mm3, o tratamento deve ser adiado por 3 a 4 dias e a dose
deve ser reduzida em 25%1. O extravazamento do agente durante
a administração
pode causar necrose perivascular, deste modo
é
recomendada uma diluição
de 0,1mg/ml do sulfato de vincristina, assim como a administração
com cateter intravenoso permanente33.
Quanto
à
recessão
cirúrgica,
é
apenas aconselhada em emergência,
quando o tumor atinge grandes dimensões,
ou quando causa obstrução
da uretra34. Ainda assim, apresenta uma elevada taxa de
recorrência
(50-68%) no caso de grandes tumores invasivos, pela dificuldade de fazer
uma recessão
com margens
amplas3,35,36,37.
Adicionalmente, a recorrência
pode também
ser explicada pelo risco de transplantação
de células
neoplásicas
durante a cirurgia32.
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