Conceito de Parvovirose Canina
É
uma
enterite aguda altamente contagiosa1 e a causa mais comum de
enterite viral em cães.
O agente etiológico
é
parvovírus
canino tipo 2 (CPV-2, do inglês
Canine parvovírus
2)
vermelho, um vírus
DNA da família
Parvoviridae2. Este vírus
surgiu em 1970, possivelmente a partir de uma mutação
do vírus
da panleucopénia
felina1,2. Em 1980 surgiram duas variantes antigénicas,
o CPV-2a e o CPV-b, sendo esta
última
a variante predominante em todo o mundo2. No ano 2000 foi
identificada uma terceira, o CPV-2c, primeiro em Itália3
e depois em diversos outros países4-7.
Esta
doença
afeta canídeos
domésticos
e selvagens, furões
e arminhos2 e também
pode infetar felinos1,2. Atinge animais de todas as idades,
mas o risco
é
maior das 6 semanas aos 6 meses,2. Os cachorros com menos de
6 semanas possuem proteção
conferida pelos anticorpos maternos do colostro e os animais com mais de
6 meses já
terão
sido imunizados pela vacinação1.
Os que se encontram entre estas idades ainda possuem anticorpos maternos
em baixa quantidade, não
suficiente para garantir imunidade, mas suficiente para interferir com a
vacinação1.
Deste modo, determinar a idade certa na qual haverá
resposta
à
vacina sem interferência
dos anticorpos maternos
é
impossível1.
Para prevenir falhas na imunização
são
utilizados protocolos de vacinação
com várias
administrações
iniciais, separadas por e intervalos de algumas semanas1. Após
este período
a vacinação
é
anual. Algumas raças
apresentam maior predisposição,
nomeadamente o rottweiler, doberman pincher, pitbull terrier americano,
labrador retriever e pastor alemão8.
A
transmissão
faz-se por via oronasal, através
do vómito,
fezes e fomites, podendo o vírus
ser espalhado por roedores, aves e insetos2. O período
de incubação
é
de 3 a 14 dias2 e os hospedeiros excretam o vírus
durante a fase de doença
aguda e por 1 a 2 semanas após
a cura1. O parvovírus
sobrevive durante diversos meses, em alguns casos anos, sendo apenas
inativado pela lixívia1,2,
monopersulfato de potássio
e peróxido
de hidrogénio
acelerado2. O isolamento dos hospedeiros e as medidas de
higiene adequadas são
essenciais para impedir o contágio2.
Após
a infeção,
o vírus
replica-se nas células
linfáticas
da orofaringe, linfonodos mesentéricos
e timo. Há
virémia
3 a 5 dias depois, com infeção
de células
de divisão
rápida
no trato gastrointestinal, tecidos linfóides
e medula
óssea1,2,
assim como em células
epiteliais da cavidade oral, língua,
esófago,
pulmões,
fígado,
rins e, em cachorros, nas células
do miocárdio2.
Há
necrose das células
intestinais infetadas1,2, com colapso das vilosidades e perda
de integridade do epitélio
intestinal2. O aumento da permeabilidade e a diminuição
da assimilação
consequentes resultam em diarreia hemorrágica2.
Com a perda da barreira epitelial há
risco de translocação
de bactérias
intestinais1,2, principalmente Escherichea coli1,
e de absorção
de endotoxinas bacterianas1,2. Como consequência
pode ocorrer septicemia, endotoxémia,
síndrome
da resposta inflamatória
sistémica
e coagulação
intravascular disseminada1,2.
Animais
com imunidade parcial são
suscetíveis
à
infeção,
mas na maioria dos casos não
exibem sinais clínicos
ou estes são
moderados1,2. A doença
clínica
é
mais comum em animais jovens e imunodeprimidos, assim como em animais
das raças
predispostas2. Os sinais clínicos
incluem anorexia, letargia, febre, vómitos
e diarreia, muitas vezes hemorrágica1,2;
pode haver dor abdominal
à
palpação2.
Em cachorros com menos de 8 semanas, sem imunidade materna passiva, pode
ocorrer miocardite1,2, que pode ser fatal2. Os
sobreviventes podem apresentar insuficiência
cardíaca
congestiva que também
poderá
levar
à
morte2. Em casos complicados por septicemia, endotoxémia,
síndrome
da resposta inflamatória
sistémica
e coagulação
intravascular disseminada há
risco de hipotermia, desidratação,
choque hipovolémico,
diáteses
hemorrágicas
e síndrome
de dificuldade respiratória
aguda do adulto (ARDS, do inglês
acute respiratory distress syndrome), com edema pulmonar1,2.
Uma outra complicação
são
as invaginações
intestinais, ou seja, a introdução
de uma porção
do intestino dentro de outra2.
O
diagnóstico
é
obtido a partir da identificação
dos sinais clínicos
característicos
em animais de risco, auxiliada por algumas observações
comuns, como a leucopénia
ou neutropénia
(devido
à
infeção
da medula
óssea
ou
à
septicemia)1,2, anemia e hipoproteinémia
devido
à
perda de sangue entérica,
anomalias nos eletrólitos
devido ao vómito
e diarreia (hipocalémia
e desidratação
com azotémia
pré-renal),
hipoglicémia
devido
à
septicemia e alterações
dos parâmetros
de coagulação
devido
à
coagulação
intravascular disseminada2. Existem também
testes rápidos
baseados na técnica
de ELISA (do inglês
enzyme linked immunosorbent assay), que detetam o vírus
nas fezes1,2. No entanto, os resultados devem ser
interpretados com cautela, pois podem ocorrer falso-positivos em animais
vacinados nos 5 a 12 dias anteriores, assim como falsos negativos, pois
a excreção
do vírus
é
intermitente e este pode estar ligado a anticorpos, o que impede a deteção1,2.
Este teste
é
mais preciso se utilizado nos primeiros 5 dias após
o início
dos sinais clínicos;
em casos de suspeita forte e resultado negativo deve ser repetido
diariamente2. O vírus
pode também
ser detetado no laboratório
através
de PCR2. Aconselha-se esta técnica
em casos de elevada suspeita e resultados negativos consecutivos nos
testes rápidos9,10.
O
tratamento
é
de suporte e tem como objetivo restaurar a pressão
sanguínea,
evitar infeções
bacterinas secundárias
e descansar o trato gastrointestinasl11. Para manter a
hidratação
são
administrados cristalóides11.
Pode ser necessária
administrar potássio
e dextrose, em casos de hipocalémia
e hipoglicémia,
respetivamente1,2. Os colóides
estão
indicados em casos de hipoproteinémia,
principalmente se existir edema2 e a transfusão
sanguínea
com sangue total ou concentrado de eritrócitos
em casos de anemia com sinais de diminuição
da oxigenação
dos tecidos1,2. Podem ser necessários
antieméticos
para o vómito
persistente e
é
a aconselhada a administração
de antibióticos
de largo espetro devido ao risco de septicemia1,2. Podem ser
utilizados anti-inflamatórios
não
esteróides
para controlar a dor, mas somente em animais hidratados2.
Deve ser providenciado suporte nutricional adequado, que
é
normalmente parentérico,
mas apenas nas primeiras 12 a 24 horas, pois prolongar a restrição
alimentar pode ser prejudicial para a recuperação2.
Caso o vómito
seja severo e se prolongue por vários
dias, aconselha-se a nutrição
parentéria
parcial1, administrando
água
quando o vómito
parar e progredindo para uma dieta altamente digerível
e com baixo teor em gordura caso o vómito
cesse2.
A
taxa
de sobrevivência
com terapia intensiva
é
de 80 a 95% e há
recuperação
total na maioria dos animais que sobrevivem aos primeiros 3 a 4 dias1.
Nestes casos, o hospedeiro adquire imunidade durante um longo período
de tempo, por vezes durante toda a vida. Após
a recuperação,
aconselha-se a higienização
do animal de modo a eliminar o vírus
do pelo e impedir o contágio2.
A vacinação
é
de extrema importância
e altamente eficaz1,2.
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