Conceito de FeLV - Vírus da Leucemia
Felina
O
FeLV
é
um retrovírus
(família
Retroviridae) do género
Gammaretrovirus (Maclachlan, Dubovi & Fenner, 2011) ao qual está
associado o aparecimento de neoplasias, imunossupressão
e diversas outras doenças.
Este
vírus
foi detetado pela primeira vez em 1964, por microscopia eletrónica
(Jarrett, Crawford, Martin & Davie, 1964). O FeLV também
afeta alguns felinos selvagens, como o gato-bravo (Felis silvestris)
(Duarte, Fernandes, Santos & Tavares, 2012), o lince Ibérico
(Lynx pardinus) (Meli et al., 2009) e a pantera da Florida (Puma
concolor coryi) (Brown et al., 2008).
A
prevalência
desta infeção
depende de diversos fatores. Gatos com acesso ao exterior ou que habitem
com gatos positivos têm
uma maior probabilidade de infeção.
Outro fator de risco apontado por alguns autores
é
a idade jovem, sendo os gatinhos mais suscetíveis
(Hoover, Olsen, Hardy, Schaller & Mathes, 1976; Grant, Essex, Gardner &
Hardy, 1980). Em Portugal, na zona metropolitana de Lisboa, a
percentagem de gatos errantes infetados
é
de 7,1% (Duarte et al., 2010).
O
vírus
é
excretado de modo continuo por gatos virémicos
(vírus
em circulação
no sangue), encontrando-se em diversas secreções,
como a saliva, secreções
nasais, leite, urina e fezes. A transmissão
faz-se por via oronasal, através
da limpeza mútua
entre gatos, da inoculação
do vírus
por mordedura e da partilha de taças
de comida e água.
Em gatas gestantes virémicas
pode ocorrer aborto e transmissão
transplacentária.
O vírus
não
sobrevive muito tempo fora do hospedeiro, sendo rapidamente destruído
por ação
de detergentes, calor e sabão.
No entanto, a transmissão
iatrogénica,
através
de agulhas contaminadas, instrumentos cirúrgicos
e transfusão
sanguínea
é
possível.
Após
a
transmissão,
o vírus
replica-se primeiro nos tecidos linfóides
locais, espalhando-se posteriormente e atingindo outros tecidos alvo,
como as glândulas
salivares. A maioria das infeções
progride principalmente de duas formas: regressiva ou progressiva. Nos
casos regressivos, a replicação
do vírus
e a virémia
são
controlados antes ou pouco depois da infeção
da medula óssea,
sendo a virémia
transitória
e terminando em semanas ou meses (Hartmann, 2012). Nestes animais não
é
provável
o aparecimento de sinais clínicos
associados ao FeLV (Flynn, Dunham, Watson & Jarrett, 2002; Flynn, Hanlon
& Jarrett, 2000). Na forma progressiva, a infeção
não
é
contida e a replicação
viral continua, instalando-se uma virémia
persistente com infeção
da medula óssea
(Hartmann, 2012).
Os
sinais
clínicos
típicos
desenvolvem-se normalmente em gatos virémicos,
por vezes após
diversos anos de virémia
(Hardy et al., 1976). O vírus
possui efeitos oncogénicos,
citopáticos
e imunossupressores. As neoplasias mais induzidas pelo FeLV são
o linfoma e a leucemia. Existem diferentes tipos de linfoma,
classificados de acordo com a localização
anatómica
como mediastínico
(cavidade torácica),
alimentar (trato digestivo), multicêntrico
(linfonodos) e extranodal (afeta diversos
órgãos
e tecidos, como os rins, Sistema Nervoso Central, globo ocular e pele).
O FeLV é
também
responsável
por diversas doenças
hematológicas.
Os efeitos imunossupressores causados por este vírus
são
severos e aumentam a suscetibilidade a diversas infeções
oportunistas.
Existem
testes rápidos
baseados na técnica
de ELISA (do inglês
enzyme linked immunosorbent assay), que detetam antigénio
no soro ou plasma. Todos os gatos cujo estado (infetado ou não
infetado) é
desconhecido devem ser testados.
É
importante testar antes de administrar a vacina, visto que esta não
apresenta eficácia
após
a infeção.
Gatos com acesso ao exterior devem ser testados com alguma frequência,
pois estão
em maior risco; em casas com diversos gatos os novos elementos devem ser
testados antes da introdução.
Os testes rápidos
positivos, mas com marcação
fraca são
considerados inconclusivos e devem ser repetidos. Os testes de ELISA
positivos devem também
ser repetidos, de modo a confirmar o diagnóstico,
uma vez que a infeção
pode ser regressiva. Por outro lado, também
é
possível
obter resultados negativos no inicio da infeção,
quando o antigénio
ainda não
está
em circulação.
Os testes laboratoriais de imunofluorescência
indireta, que detetam o vírus
no interior dos leucócitos
e plaquetas (infeção
progressiva com infeção
da medula óssea),
podem ser necessários
para confirmar o diagnóstico.
É
importante salientar que um resultado positivo com o teste de ELISA e
negativo com a imunofluorescência
indireta não
significa necessariamente a ausência
de infeção,
pois esta pode estar numa fase inicial, ainda sem infeção
da medula óssea.
Por sua vez, a trombocitopénia
e neutropénia
podem provocar falsos negativos na imunofluorescência
indireta. Em conclusão,
por vezes são
necessários
diferentes testes e várias
repetições
para chegar a um diagnóstico
definitivo.
Idealmente,
gatos positivos devem ser confinados ao interior, de modo a impedir a
transmissão,
assim como a contração
de infeções
oportunistas. A dieta deverá
ser equilibrada, não
contendo alimentos como peixe e carne crus que podem expor o animal
imunodeprimido a agentes patogénicos
como bactérias
e parasitas. A castração/esterilização
pode também
trazer benefícios,
na medida em que poderá
diminuir o risco de fuga e a agressividade nos machos. Os protocolos de
desparasitação
e vacinação
para outras doenças
devem ser seguidos normalmente, de preferência
com vacinas inativadas. Não
existe terapêutica
que elimine a infeção
e o tratamento é
de suporte, variando com a apresentação
clínica;
conforme necessário
deve recorrer-se à
fluidoterapia, transfusões
sanguíneas,
antibióticos
e quimioterapia.
Alguns
estudos
demonstram benefícios
com a utilização
de AZT (zidovudina ou azidotimidina) (Hartmann et al., 1992; Nelson et
al., 1995), um fármaco
antivírico
usado em pacientes humanos com HIV. No entanto, num outro estudo mais
recente, não
foram demonstrados quaisquer benefícios
com esta terapêutica
(Stuetzer, Brunner, Lutz & Hartmann, 2013). Apesar da sua administração
em gatos estar descrita, a utilização
deste fármaco
está
autorizada apenas em humanos. Outro fármaco
com efeitos antivirais e imunomodeladores
é
o interferão
felino ómega,
disponível
para uso veterinário
na Europa e Japão.
O interferão
inibe a replicação
in vitro do FeLV e os animais tratados com este fármaco
apresentaram melhorias dos sinais clínicos
e um aumento da sobrevivência
num estudo de 2004 (Mari, Maynard, Sanquer, Lebreux & Eun, 2004).
Infelizmente, o seu elevado custo pode ser proibitivo.
Existem
diversas vacinas disponíveis,
no entanto, nenhuma confere proteção
completa (100%). Ainda assim, estudos realizados com diferentes vacinas
demonstram a sua importância
na inibição
da virémia
persistente (Harbour et al., 2002; Hoover, Mullins, Chu & Wasmoen, 1996;
Jirjis et al., 2010). Os riscos/benefícios
desta vacina devem ser determinados caso a caso, tendo em conta o risco
de exposição.
Referências
Bibliográficas:
Brown,
M., Cunningham, M., Roca, A., Troyer, J., Johnson, W., & O’Brien,
S. (2008). Genetic Characterization of Feline Leukemia Virus from
Florida Panthers. Emerg. Infect. Dis., 14(2), 252-259.
doi:10.3201/eid1402.070981
Duarte,
A., Castro, I., Pereira da Fonseca, I., Almeida, V., Madeira de
Carvalho, L., & Meireles, J. et al. (2010). Survey of infectious and
parasitic diseases in stray cats at the Lisbon Metropolitan Area,
Portugal. Journal Of Feline Medicine & Surgery, 12(6),
441-446. doi:10.1016/j.jfms.2009.11.003
Duarte,
A., Fernandes, M., Santos, N., & Tavares, L. (2012). Virological Survey
in free-ranging wildcats (Felis silvestris) and feral domestic cats in
Portugal. Veterinary Microbiology, 158(3-4), 400-404.
doi:10.1016/j.vetmic.2012.02.033
European
Advisory Board on Cat Diseases,. (2012). ABCD Guidelines on Feline
Leukaemia. Retrieved 4 May 2015, from
http://www.abcd-vets.org/Guidelines/Pages/en/1201/Feline_Leukaemia.aspx
Flynn,
J., Dunham, S., Watson, V., & Jarrett, O. (2002). Longitudinal Analysis
of Feline Leukemia Virus-Specific Cytotoxic T Lymphocytes: Correlation
with Recovery from Infection. Journal Of Virology, 76(5), 2306-2315.
doi:10.1128/jvi.76.5.2306-2315.2002
Flynn,
J., Hanlon, L., & Jarrett, O. (2000). Feline leukaemia virus: protective
immunity is mediated by virus-specific cytotoxic T lymphocytes.
Immunology, 101(1), 120-125. doi:10.1046/j.1365-2567.2000.00089.x
Grant,
C., Essex, M., Gardner, M., & Hardy, W. (1980). Natural feline leukemia
virus infection and the immune response of cats of different ages.
Cancer Res., 40(3), 823-829. Retrieved from
http://cancerres.aacrjournals.org/content/40/3/823.long
HARBOUR,
D., MGunn-Moore, D., Gruffydd-Jones, T., Caney, S., Jarrett, O., &
Wiseman, A. (2002). Protection against oronasal challenge with virulent
feline leukaemia virus lasts for at least 12 months following a primary
course of immunisation with Leukocell 2 vaccine. Vaccine, 20(23-24),
2866-2872. doi:10.1016/s0264-410x(02)00237-2
Hardy,
W., Hess, P., MacEwen, E., McClelland, A., Zuckerman, E., & Essex, M. et
al. (1976). Biology of feline leukemia virus in the natural environment.
Cancer Research, 36(2pt2), 582-588. Retrieved from
http://cancerres.aacrjournals.org/content/36/2_Part_2/582.long
Hartmann,
K. (2012). Clinical Aspects of Feline Retroviruses: A Review. Viruses,
4(12), 2684-2710. doi:10.3390/v4112684
Hartmann, K., Donath,
A., Beer, B., Egberink, H., Horzinek, M., & Lutz, H. et al. (1992). Use
of two virustatica (AZT, PMEA) in the treatment of FIV and of FeLV
seropositive cats with clinical symptoms.
Veterinary
Immunology And Immunopathology, 35(1-2), 167-175.
doi:10.1016/0165-2427(92)90129-e
HOOVER,
E., MULLINS, J., CHU, H., & WASMOEN, T. (1996). Efficacy of an
Inactivated Feline Leukemia Virus Vaccine. AIDS Research And Human
Retroviruses, 12(5), 379-383. doi:10.1089/aid.1996.12.379
Hoover,
E., Olsen, R., Hardy, W., Schaller, J., & Mathes, L. (1976). Feline
Leukemia Virus Infection: Age-Related Variation in Response of Cats to
Experimental Infection. J Natl Cancer Inst., 57(2), 365-369.
doi:10.1093/jnci/57.2.365
JARRETT,
W., CRAWFORD, E., MARTIN, W., & DAVIE, F. (1964). Leukæmia
in the Cat: A Virus-like Particle associated with Leukæmia
(Lymphosarcoma). Nature, 202(4932), 567-568. doi:10.1038/202567a0
Jirjis,
F., Davis, T., Lane, J., Carritt, K., Sweeney, D., Williams, J., &
Wasmoen, T. (2010). Protection against feline leukemia virus challenge
for at least 2 years after vaccination with an inactivated feline
leukemia virus vaccine. Veterinary Therapeutics: Research In Applied
Veterinary Medicine, 11(2), 1-6.
Levy,
J., & Crawford, P. (2010). Feline Leukemia Virus. In S. Ettinger & E.
Feldman, Textbook of veterinary internal medicine (7th ed.). St. Louis,
Mo.: Elsevier Saunders.
Maclachlan,
N., Dubovi, E., & Fenner, F. (2011). Fenner's veterinary virology.
Amsterdam: Elsevier Academic Press.
Mari,
K., Maynard, L., Sanquer, A., Lebreux, B., & Eun, H. (2004). Therapeutic
Effects of Recombinant Feline Interferon-co on Feline Leukemia Virus
(FeLV)-Infected and FeLV/Feline Immunodeficiency Virus (FIV)-Coinfected
Symptomatic Cats. Journal Of Veterinary Internal Medicine, 18(4),
477-482. doi:10.1111/j.1939-1676.2004.tb02570.x
Meli,
M., Cattori, V., Martínez,
F., López,
G., Vargas, A., & Simón,
M. et al. (2009). Feline Leukemia Virus and Other Pathogens as Important
Threats to the Survival of the Critically Endangered Iberian Lynx (Lynx
pardinus). Plos ONE, 4(3), e4744. doi:10.1371/journal.pone.0004744
Nelson,
P., Sellon, R., Novotney, C., Devera, C., Davidian, M., & English, R. et
al. (1995). Therapeutic effects of diethylcarbamazine and 3′-azido-3′-deoxythymidine
on feline leukemia virus lymphoma formation. Veterinary Immunology And
Immunopathology, 46(1-2), 181-194. doi:10.1016/0165-2427(94)07017-2
Sherding, R. (2006).
Feline Leukemia Virus. In S. Birchard & R. Sherding, Saunders manual of
small animal
practice
(3rd ed., pp. 115-125). St. Louis, Mo.: Saunders Elsevier.
Stuetzer,
B., Brunner, K., Lutz, H., & Hartmann, K. (2013). A trial with
3'-azido-2',3'-dideoxythymidine and human interferon- in cats naturally
infected with feline leukaemia virus. Journal Of Feline Medicine And
Surgery, 15(8), 667-671. doi:10.1177/1098612x12473468
|
Procure outros termos na nossa enciclopédia
|
|
|