Conceito de
Química Verde
O
termo “química verde”, ou “química sustentável”, refere-se ao desenho
racional de processos químicos cada vez mais limpos, eficientes e
sustentáveis. Não se trata de um ramo individual mas sim de um conceito,
ou filosofia, que se aplica a diversas áreas da química.
Os
três grandes pilares da química verde são a utilização, tanto quanto
possível, de matérias primas de origem renovável, a eficiência
energética e a não utilização ou produção de substâncias nocivas ao meio
ambiente.
A
Agência de Protecção Ambiental Americana propõe 12 princípios da química
verde, listados a seguir:
1. É
melhor não produzir resíduos do que ter que os limpar depois;
2. As
rotas de síntese devem ser desenhadas de modo a que o máximo de átomos
presentes nos reagentes sejam
incorporados no produto final;
3. Tanto
quanto possível, as reacções de síntese devem utilizar e produzir
substâncias pouco ou nada tóxicas para
o
ser humano e o meio ambiente;
4. Os
produtos químicos devem ser desenhados de modo a preservar a eficácia na
sua função ao mesmo
tempo que se reduz a toxicidade;
5. O uso
de substâncias auxiliaries, como solventes, é idealmente tornado
desnecessário. Tal não sendo
possível, essas mesmas substâncias devem ser inócuas;
6. O gasto
de energia deve ser minimizado. Idealmente, as reacções decorrem à
temperatura e pressão
ambiente;
7.
Sempre que possível, técnica e economicamente, as
matérias-primas devem ser de fonte renovável;
8.
Evitar recorrer à derivatização (bloquear um grupo,
protecção/desprotecção, modificação temporária) já que esta requer a
utilização de reagentes adicionais e, tipicamente, produz resíduos;
9.
Reagentes catalíticos, sempre que disponíveis, são
preferíveis aos reagentes estoquiométricos;
10. Os
produtos químicos devem ser desenhados de modo a que, após terem
cumprido a sua função, se
degradem em produtos inócuos e não persistentes;
11.
Futuras metodologias analíticas devem incorporar a análise em tempo real
da formação de substâncias
poluentes, de modo a que esta possa ser evitada;
12. As
substâncias utilizadas num processo químico devem ser
escolhidas de modo a minimizar o risco de acidente como explosões,
derrames e incêndios.
De
modo a poder facilmente avaliar o quão “verde” é um processo químico
foram já propostas na literatura diversas métricas. As mais conhecidas,
“economia atómica” e “e-factor” foram introduzidas nos anos 90 e
operaram uma revolução no design químico.
O
termo “economia atómica” refere-se à eficiência da utilização de átomos
numa reacção, assumindo um rendimento de 100%. Quer isto dizer que a
“economia atómica” é um conceito teórico e pretende avaliar o quão
eficiente uma reacção é com base apenas na sua estequiometria, ou seja,
prevê qual é o mínimo possível de resíduo que uma reacção irá gerar. A
fórmula de cálculo da “economia atómica” é a seguinte:

onde M é a massa molecular. Numa situação ideal a economia atómica é de
100%, ou seja, não se formam quaisquer sub-produtos, apenas o produto
desejado.
Já
o “e-factor” reflecte o quão “verde” um processo é na realidade, medindo
quantos kg de resíduo são produzidos para fabricar 1 kg do produto
desejado, ou seja,

Aqui, cada autor ou empresa define “Resíduos” como entender podendo ou
não, além dos óbvios sub-produtos de reacção, incluir a massa de
solventes utilizados, a energia térmica usada em operações de
aquecimento e arrefecimento, a massa de catalisador ou outros aditivos
que não possam ser recuperados, etc. O e-factor ideal é zero.
Na
maioria dos casos, as reacções têm rendimentos abaixo dos 100%. Assim,
mesmo que encontremos a reacção ideal, com 100% de economia atómica e
sem recorrer a solventes, basta uma parte dos reagentes não reagir, ou
serem gerados produtos secundários não previstos na reacção original,
para o E-factor ser superior a zero, uma situação que na prática já não
é a ideal.
Infelizmente, a indústria química ainda está muito longe de se aproximar
sequer de um “e-factor” igual a zero. A Tabela 1
mostra os e-factors tipicamente encontrados em diferentes ramos da
indústria. As refinarias de petróleo sobressaem como um bom exemplo, mas
isto deve-se ao facto de praticamente não recorrer a reacções mas antes
se limitar a separar e purificar fracções do petróleo. A indústria
farmacêutica é a mais poluente, já que recorrer a rotas de síntese com
vários passos intermédios, que utilizam diferentes reagentes e
solventes. A soma de resíduos gerados por cada kg de medicamento
produzido está na ordem dos 25 a 100 kg, isto é, produz 25 a 100 vezes
mais resíduo que produto!
Tabela 1
E-factors na indústria química. Tabela adaptada de
Lenardão, 2003.
|
Sector da indústria |
Volume de produção anual (toneladas) |
E-factor (kg de resíduo por kg de produto) |
|
Refinarias de petróleo |
106 – 108 |
< 0,1 |
|
Química pesada |
104 – 106 |
< 1 – 5 |
|
Química Fina |
102 – 104 |
5 – 50 |
|
Farmacêutica |
10 – 103 |
25 – 100 |
A
boa notícia é que o conceito de “química verde”, sendo apelativo não só
do ponto de vista ambiental como também do económico, tem crescido
rapidamente nas duas últimas décadas, havendo um enorme interesse da
indústria em tornar as suas tecnologias mais limpas.
A
American Chemical Society atribui, desde 1995, os “Presidential Green
Chemistry Challenge Awards”, uma espécie de óscares da química verde,
com o objectivo de salientar exemplos de boas práticas nesta área. A
lista completa de premiados pode ser consultada em
http://www2.epa.gov/green-chemistry/presidential-green-chemistry-challenge-winners
.
O seguinte exemplo
retirado da literatura irá ilustrar os conceitos até então apresentados
e permitir-lhe-á testar o quanto aprendeu. As reacções a) e b),
representadas na
Fig. 1, são duas rotas de síntese
distintas para o fim comum de oxidar o metiletileno dando origem ao
óxido de propileno. Qual das duas é um melhor exemplo de química
“verde”? Porquê?

Fig. 1 Duas rotas de
síntese, a) e b), para a produção de óxido de etileno a partir de
metiletileno (ref: Sheldon,2008). Na figura cada cor representa um
elemento, seguindo esta chave: branco – hidrogénio; cinzento – carbono;
vermelho – oxigénio; verde – cloro; amarelo – cálcio.
Na
rota a), a clássica via da clorohidrina, apenas 25% da massa de todos os
átomos que constituem os reagentes é incorporada no produto final, o
óxido de propileno. Já a rota b) utiliza peróxido de hidrogénio para
oxidar o metiletileno, sendo uma molécula de água o único sub-produto
gerado. Neste caso, a economia atómica é muito superior, já que 76% da
massa atómica inicial está presente no produto final. Além disto, na
reacção a) é produzido um sal de cloreto
de
cálcio, que terá depois que ser separado do óxido de etileno, requerendo
gasto adicional de solvente, energia e tempo ao passo que na reacção b)
é apenas necessário evaporar a água presente na mistura reaccional. Por
último, a reacção b) utiliza peróxido de hidrogénio, um reagente menos
nocivo que a clorohidrina e não produz resíduos tóxicos. É pelas três
razões assim enumeradas que a reacção b) é mais “verde” que a reacção
a).
Saber mais:
Lenardão, E.J. et. al., 2003,
"Green chemistry" - Os 12 princípios da química verde e sua inserção nas
atividades de ensino e pesquisa.
Química Nova, vol. 26 nº 1, p. 123-129.
Sheldon, R.A., 2008, E factors, green chemistry
and catalysis: an odyssey. Chemical Communications, p. 3352–3365.
Constable, D.J.C., Curzons, A.D. e Cunningham, V.L,
2002, Metrics to ‘green’ chemistry—which are the best?,
Green Chemistry, 4, p. 521–527.
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